BTS- quem somos e a música- 5° era análise

Por Maria Eduarda Ribeiro Cavalcanti

Parte Final de uma série de posts- você pode checar a parte 1 aqui.

"Map of the Soul: 7 © HYBE Ent.

 “Eu posso ter cometido um erro ontem, mas o eu de ontem ainda sou eu. Hoje, eu sou quem eu sou, com todas as minhas falhas. Amanhã, eu posso ser um pouco mais sábio, e isso também será eu. Essas falhas e erros são o que eu sou, compondo as mais brilhantes estrelas da constelação de minha vida. Eu aprendi a me amar por quem eu era, por quem eu sou e por quem eu espero me tornar.”

O trecho acima, retirado do discurso de RM na Assembleia Geral das Nações Unidas é o começo perfeito para analisar a última era completa do BTS. “Map Of The Soul” ou em tradução, “Mapa da Alma” é um conceito proposto pelo psicanalista Carl Jung, um mapa para entender a psique humana. BTS usa desse conceito para produzir arte e se expressar.

Uma das perguntas mais difíceis de responder talvez seja “Quem é você?”, estamos tão acostumados a sermos tanto o tempo todo e também a sermos nada, que definir em uma sentença o que e quem somos se torna complicado, e esse se torna um dos principais temas durante a era. Podemos, talvez, dividir o álbum e três seções: Persona, Shadow e Ego. Conceitos de Carl Jung, cada um representa um fragmento de nós: persona é o nosso eu exterior, shadow (sombra) seria o nosso eu interior, do subconsciente, e o ego seria nosso eu central. Para facilitar a análise eu também estarei quebrando esse post em 3 seções: Persona, Shadow e Ego, cada uma com as músicas que combinam mais com cada seção.

"Intro:Persona* © HYBE Ent.

Para o BTS, persona são eles como artistas. Para nós, fãs ou meros espectadores, é difícil entender a partição do artista RM e da pessoa Kim Namjoon. Podemos até ter a consciência de que eles dois são a mesma pessoa que coexistem em um corpo, mas ainda assim se torna complicado de separar totalmente onde um termina e um começa, é uma linha borrada. Até mesmo para eles.

Todos nós temos um tipo de relação parassocial com celebridades, mesmo sem conhece-las, sabemos de suas vidas inteiras, e às vezes( principalmente quando se é um adolescente sozinho e confuso) sentimos uma espécie de conexão e intimidade com essas celebridades. Mas quem eles são?

Em “Filter”, solo do Jimin, ele fala que podemos escolher do vasto espectro de cores que ele pode oferecer. Dançando sobre a linha fina entre mudar porque ele é capaz e mudar para agradar os outros. Pensamentos conflitantes que talvez ele tenha sentido como artista, mudando o tempo todo para agradar as fãs. Engordando quando elas pediam, emagrecendo quando necessário, malhando por obrigação, pintando constantemente o cabelo do jeito que os outros acham melhor. Chega um ponto onde ele mesmo se pergunta se quem ele é atualmente reflete sua personalidade interior. Se aquele reflexo no espelho é o filtro que ele queria ver, ou se ele se tornou apenas um amontoado de desejos das fãs.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

Reflexão similar feita pelo grupo como um todo em “Dionysus”, música que leva o nome do Deus grego do vinho e das festas, Dionísio. Na música, as diferentes personas do artista são levadas em conta: o hedonismo, promiscuidade, o processo de criação e dor, que por vezes cruzam o caminho e se tornam um só, todos esses são temas refletidos na música.

“Boy With Luv” a title track do primeiro álbum, é talvez, a análise da persona BTS mais interessante. O título propositalmente reflete a música “Boy In Luv” do álbum “Skool Luv Affair” lançado em 2014, e é uma olhada de um BTS mais maduro nas suas angústias adolescentes. Onde “Boy In Luv” erra, “Boy With Luv” acerta. “Boy In Luv” é agressivo, “Boy With Luv” é calmo, “Boy In Luv” sangra e “Boy With Luv” cura. Em todos os sentidos, as músicas são completos opostos: o ritmo da de 2014 é baseado em hip-hop, o clipe tem tons de cinza escuro, a maquiagem e roupas são pesadas, enquanto a de 2019 é leve, as roupas casuais de tons pastéis dão um toque de namorado no BTS, a música é um pop chiclete. A era “Boy In Luv” foi conhecida por tratar do amor de uma forma misógina, e ao invés de deixar o erro no passado, BTS se conserta e se reinventa.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

Por último, a Intro do álbum: Persona.

Geralmente, começo todos os posts falando da Intro, por considerar a parte mais importante do álbum , é ela que nos introduz a experiência musical que vamos fazes, que nos ensina qual sera  o tema da era. Mas Persona, intro feita por RM, é tão importante que merece fechar com chave de ouro a seção.

RM tem como dom pegar pequenas experiências de sua vida e transformar em algo universal. Ele fala sobre seu sonho de menino de se tornar um super-héroi e como agora ele de fato se sente como um, ele tem consciência de que carrega em suas costas as dores e preocupações de milhares de jovens do mundo inteiro, e às vezes ele sente como se esse fardo fosse muito pesado e talvez ele não fosse conseguir carregar, porém toda vez ele consegue. Mas de certa forma, tem um custo.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

Quem é RM? Onde RM termina e Kim Namjoon começa? Questões levantadas por mim no início e retomadas agora, com a Intro:Persona. A persona é a nossa máscara, o eu exterior, que usamos na sociedade. E queira ou não queira, a persona de Kim Namjoon é o RM. O RM que você ama, que você é fã, e que você conhece.

O que causa angústia a Namjoon é o RM, porque ele se sente “falso” ao usar a máscara  RM, até entender que, todos esses fragmentos de personalidade, as personas exteriores e as sombras interiores, são você. Seus erros e seus acertos, tudo isso, são você. RM  e Kim Namjoon são você.

RM, ao entender que ele é várias versões de si mesmo ao mesmo tempo, se sente em paz.


"Interlude:Shadow" © HYBE Ent.

O maior atrativo do BTS é como eles conseguem se conectar com os ouvintes, as letras compatíveis com os problemas da geração atual como: transtornos mentais, baixa autoestima, entre outros, se tornam um marco na vida daqueles que as encontram quando mais precisam. A música se torna um tipo de âncora que mantém as pessoas sã, mesmos nos piores momentos. E BTS está bem consciente do quão poderoso eles se tornaram com isso, do quão efetivo suas palavras se tornaram, o que fazem eles repensarem suas carreiras como artistas. Tudo isso se torna confuso, fazendo com que eles se questionem se isso era o que eles realmente queriam.

Todos querem ser grandes, mas ninguém fala o quão solitário e devastador é estar no topo. A eterna paranoia de estar prestes a cair no fracasso a qualquer momento, de sempre ter atingido o auge no último CD, o ódio distribuído de graça na internet, o amor compartilhado demais pelas fãs, tudo isso confunde a cabeça de uma pessoa. Eles começaram de forma simples, apenas meninos desabafando através da música, e agora são homens que se tornaram a voz de uma geração inteira. É normal que a sombra dentro deles diga “pare com isso, o que você está fazendo?”

Esses sentimentos, quando em exagero, causam uma certa apatia. A profissão que eles antes exerciam com tanto orgulho, agora se torna um verdadeiro trabalho. “Black Swan” é uma música inspirada na citação da dançarina estadunidense Marta Graham “um dançarino morre duas vezes — uma é quando ele para de dançar, e essa primeira morte é a mais dolorosa”. A música reflete os sentimentos dos membros do BTS ao pensarem no dia em que não irão mais gostar de serem cantores, o dia em que estiverem desgastados pela fama e corroídos pela música.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

 “My Time “ é o solo de Jungkook e fala da sua experiência como cantor que começou precocemente, aos 16 anos, e por mais que ele tenha ganhado muito com isso, ele também perdeu muito. Esses sentimentos conflitantes entre querer um pouco de tudo e não conseguir nada envenena Jungkook, que se sente dividido entre qual parte de si ele deve atender.

“UGH” mostra outra parte das sombras interiores, a raiva. J-Hope, Suga e RM debatem sobre a raiva, dizendo que existe a boa e a ruim. Quando canalizada de forma certa, a raiva pode mover montanhas e mudar pessoas, quando distribuídas de forma errada, a raiva machuca e é nesse ponto que a raiva se torna um sentimento ruim.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

 “Home” é uma música que abraça a dualidade dos sentimentos, a felicidade de ter um lar, um grupo de pessoas, que façam você se sentir em casa e bem consigo mesmo, e de conquistar o que você queria. Mas ter que lidar com um vazio que insiste em lhe perseguir. Como lidar?

A resposta para mim está no “Interlude:Shadow”, música cantada somente por Suga. Desde os primórdios do BTS, Suga sempre se destacou em tratar com ferocidade sentimentos intensos, por ser uma pessoa quieta que sente muito, ele sempre teve muita maestria em desabafar através do seu rap, e é justo que a parte da psique mais destruidora, as sombras, ficassem com a pessoa que mais teria facilidade de dissertar o assunto.

Em uma moda à lá mito de Ícaro, Suga relata sobre como ele sente que voou perto demais do Sol e agora se queimou. Sempre com sonhos grande demais, ele é ambicioso, sempre desejando mais, porém quanto mais ele tem, mais triste e vazio ele se sente. Quanto mais baixo ele sente, mais alto ele está. Quanto maior o sucesso, maior o vazio.

É na parte final da música que o pico é atingido. O instrumental desacelera, para mudar completamente, a voz de Suga fica distorcida e o ritmo fica apressado e selvagem. Na segunda parte da música, não é Suga que está cantando nem Min Yoongi, e sim a sombra de Suga. E ela fala que ele sempre será parte de Suga, não importa o quanto ele insista em eliminar esses sentimentos, ele sempre vai existir. Sempre que ele for feliz, ele vai eventualmente ser triste, em ordem que um exista o outro precisa também viver. Eles são um corpo só e se Suga não entender e não cuidar das duas partes que existem dentro dele, essas partes irão colidir, e o acidente será terrível.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

“00:00”, “Mikrokosomos” e “Jamais Vu” são músicas melancólicas que abraçam o lado sentimental do BTS.  É necessário entender que a tristeza e o vazio serão partes de nossa vida, é só quando aceitamos o lado que insistimos em esconder, nossos defeitos, nossas mágoas e nossas raivas, que podemos entender quem somos. Esses sentimentos sempre estarão costurados sob nossa pele e mesmo nos melhores momentos eles estarão lá, esperando para saírem. E só nos resta, abraçar eles, se não, seremos consumidos por esses sentimentos.

"Outro:Ego" © HYBE Ent.

A última parte do álbum, ego é o eu central, que está em contato com todas as outras partes do cérebro.

A title track do álbum “Map Of The Soul:7” foca no ego, “ON” é sobre catarse. Depois de entender a persona e a shadow, só nos resta enfrentar o mundo exterior. O mundo é um lugar brutal, “ Você tem que ficar louco se não quiser ficar insano, eu me jogo inteiro nesse mundo de 2 lados”. O mundo pede muito de nós e às vezes nos sobrecarregamos, não conseguimos entregar o que é pedido. Em “ON” BTS abre seu coração e fala sobre as diversas maneiras as quais eles encontram para resistir ao mundo, como eles sempre se curam para continuar a lutar.  Para RM, é necessário entender a dor, para J-Hope, a dor é parte dele. Porém acima de tudo, o importante é continuar, e BTS garante, que não importa o quão difícil seja a luta, ele estará do seu lado, para sangrar com você. Não há dor que você não aguente, pois você é um lutador.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

“Outro: Ego” é a música final do álbum. J-Hope fica encarregado de falar sobre seu ego, e apesar da nossa concepção de ego como algo ruim, na psicologia ego é somente outro nome para falar do nosso eu consciente. Se RM observava o exterior e Suga o interior, J-Hope em “Ego” contenta o centro onde os dois eu’s colidem, o ego. Quem é J-Hope, o artista, e Jung Hoseok, a pessoa? J-Hope percebe que eles são a mesma pessoa.

Durante os 8 anos de grupo, BTS se destacou por construírem uma conexão com a sua audiência. Não importa o quão famosos eles sejam, eles ainda são pessoas, com sentimentos tão nocivos quanto os nossos. Eles fazem questão de lembrar disso em todos os álbuns, compartilhando experiências que eles tiveram com pessoas que atualmente passam por isso. Para BTS, esse é o ponto da música. Transformar vivências pessoais em algo universal, compartilhando um pedaço da alma deles com o mundo. E é por isso que BTS se destaca tanto entre os milhares de artistas na indústria. A honestidade e simplicidade das experiências, faz com que bts não sejam apenas celebridades e artistas, mas pessoas. Eles não se gabam sobre os milhões de dólares que possuem, nem sobre seus apartamentos caros, eles sempre se lembram das pequenas coisas que fazem a vida, de quem eles são e quem eles foram.

"Map of the Soul: Persona" © HYBE Ent.

Das experiências mais difíceis até as mais fáceis, da felicidade a tristeza, BTS sempre compartilha sua visão sobre. Com o fim da última era completa do BTS, só nos resta imaginar, quem o BTS será no futuro, algo que sem dúvidas, estaremos esperando ansiosamente.

  © bts_bighit

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