AS DESVANTAGENS DE SER UMA DESAJUSTADA- Cruella(2021)

Uma análise de Cruella(2021)

Por Maria Eduarda Ribeiro Cavalcanti

“Nascida brilhante, nascida louca e um pouquinho maluca” é como Cruella, ou melhor dizendo, Estella, se define no filme sobre sua história.

Diferentemente de outros filmes que focam na história de seus respectivos vilões, a história de Cruella tinha que ser diferente, afinal, como a Disney poderia limpar a imagem de uma vilã que literalmente mata pequenos e doces filhotes de cachorro, só para que ela possa ter um casaco de pele?

A maior parte dos vilões nascem bons e a sociedade os corrompe, em uma verdadeiro moda à la Rosseau, mas ao invés disso, o diretor Craig Gillespie (que também dirigiu I, Toyna) segue outro caminho, fazendo Cruella inerentemente má. Mas uma coisa chamou a minha atenção.

Logo no começo do filme, na sequência de infância que introduz Estella (o nome real de Cruella) uma coisa é destacada: o quão deslocada ela se sente na sociedade. E quando você assiste ao filme com este pensamento em mente, é notável que esse é o ponto de origem da história de Cruella.

O fardo de não se encaixar em lugar nenhum é pesado de carregar, especialmente desde que você é criança. E como a própria Cruella diz, ela nasceu fazendo um pronunciamento, ela nasceu diferente. Cidades simplistas com pessoas de mentes simples não são suficientes para aqueles destinados a algo mais. E é nesse cenário suburbano dos anos 70 onde Cruella é introduzida, os primeiros passos dela para vida real, a sua socialização, é em um lugar onde ela não pertence, ou melhor falando, um lugar aonde eles não a querem.

Duas cenas enfatizam essa questão: a primeira é uma onde a mãe dela pede para que ela esconda o cabelo, e ela orgulhosamente rejeita o pedido. Ela sabe que é diferente e especial, e ela está atenta que nunca irá se conformar com as expectativas da sociedade, mas ela não liga para isso. A segunda cena é quando a mãe dela morre e voluntariamente ela decide pintar o seu cabelo, para que ela consiga andar pelas ruas despercebida. Ela tem que se conforma para que possa sobreviver, e uma parte dela também deseja isso, ela quer esquecer o lado dela que deseja mudar o mundo ao seu redor, porque esse lado dela é muito poderoso. Ela não sabe como lidar com esse lado, e agora, completamente sozinha, como é esperado que ela saiba como lidar?

Os efeitos da exclusão social em crianças e adolescentes ainda são assuntos importantes que precisam ser discutidos, como as pessoas esperam que crianças cresçam e se tornem adultos de boa índole com um bom coração, quando toda sua vida esse amor nunca foi devolvido para eles? Sortudos são aqueles que ao menos recebem apoio de suas famílias, mas esse não é o caso de alguns deslocados.

Na maior parte do tempo nós temos dois casos: a criança cresce e se torna um ser humano incrível que faz algum tipo de diferença no mundo, ou ao menos se torna algum tipo de mentor para que crianças como eles se sintam bem consigo mesmas. Mas esse não é o caso da nossa querida e doce Cruella, ela faz parte do outro caso.

A história de Estella/Cruella é uma sobre as desvantagens de ser uma deslocada. O que deu errado com todas aquelas crianças que nunca foram aceitas para sentar com os outros na hora do recreio. Aquelas crianças que nunca tiveram colegas para fazer o trabalho.

Toda sua vida, Cruella tentou se encaixar, ser aceita, e bem, um dia ela se cansou disso e acabou com tudo. A sociedade não gostava dela? Bem, que eles fossem ao inferno, eles seriam obrigados a gostarem dela. E se não gostassem, tanto faz. Ela tinha sentido o gosto amargo da exclusão e estava exausta disso, mas do que nunca ela achou conforto em abraçar o seu lado diferente. Se apenas aquele lado também tivesse sido abraçado pela sociedade, o que teria acontecido?

É o demoníaco sabor de ser uma rebelde que faz com que ela seja uma vilã. Os seus ideias não conformistas de ser uma uma mulher solteira que dedica sua vida ao trabalho, que é ambiciosa, e suas atitudes contrárias e roupas punks, faz com que ela desabroche em uma rebelde na sua juventude, e anos depois, na Cruella, a vilã.

Agora, eu não estou perdoando a matança de filhotes e ser uma completa idiota com os outros. Esse comportamento não possui justificativas. Cruella é uma desajustada que também é naturalmente má, e em um verdadeiro coming-of-age filme adolescente, ela abraça esse lado ruim. Ela não só é um vilã que foi afetada pela sociedade, mas ela também é naturalmente inclinado ao mal.

Não só uma não-conformista como também uma mulher que está sofrendo com a sua saúde mental.  A escolha de montar a história nas Londres dos anos 70, foi uma ótima escolha, já que naquele tempo saúde mental e transtornos mentais não eram abertamente discutidos. Nós quase não discutimos hoje em dia, imagine naquele tempo.

Em uma moda de Coringa encontra O Diabo Veste Prada( parcialmente culpa da roteirista Aline Brosh McKenna, já que ela escreveu o roteiro de O Diabo Veste Prada assim como o de Cruella), a mistura de exclusão social e falta de cuidado da saúde mental de Estella, faz com que ela dê boas-vindas ao lado Cruella dela. E eventualmente, na situação de vida ou morte que é sobreviver no mundo hiper-competitivo do mercado de trabalho, o lado Cruella se torna o único a existir.

O que eu estou tentando dizer é que, talvez, nós devemos olhar para o adolescente ao nosso lado que se veste diferente, e age estranhamente do nosso ponto de vista, que é criativo, e que sempre parece estar esperando uma chance para mostrar que eles possuem mais a oferecer. Eles podem ser aqueles que irão fazer alguma mudança no mundo.

Ou eles podem simplesmente acabar matando seus cachorros mesmo

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